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Formas de Brincar
Sobre Formas de Brincar em POA
Transcrição da fala de Kil Abreu sobre Formas de Brincar do ERRO Grupo no 3º Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre, realizada em 12/04 durante sua conferência sobre o festival.
Transcrição da fala de Kil Abreu sobre Formas de Brincar do ERRO Grupo no 3º Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre (em 12/04). A fala foi realizada na conferência de Kil Abreu e Rosyane Trotta no festival e, após ser transcrita, foi revisada e complementada pelo autor.
“Sobre o ERRO, eu já havia visto outro trabalho deles, o Escaparate, em Santa Catarina. Acho absolutamente interessante. Eles se colocam em uma fronteira que nos guia para um lugar que não dá para a gente identificar exatamente qual é. Tem uma zona autônoma que eles criam dentro do espaço público e essa zona é sem dúvida violenta. Autônoma, desconcertante, violenta. Uma autonomia poética que tem como direção a tarefa de desconstruir a noção elementar que temos de representação. O desconcerto e a insegurança ficam por nossa conta, plateia.
Eu acho que uma boa parte do efeito está nisso. As meninas estão ali, no meio do trabalho, ‘atrizes’, elas mesmas e o personagem. Elas estão nesse limiar. Então, como elas avançam muito sobre o público, especialmente sobre o público masculino, é desconcertante. Porque o público não sabe se se relaciona com aquilo como teatro enquanto espaço de representação, ou como fato real. Então o que se coloca nesse local de fronteira é uma coisa que nos interessa muitíssimo, pela experiência (física, sensorial) em si, mas também pela provocação de pensamento que isso nos gera.
Você tem ali, penduradas, aquelas ossadas. Não sei se estou certo ou se estou errado, mas a impressão que eu tive é que eram ossadas pélvicas, não é? Pélvis femininas, não é? Ou seja, temos ali o espaço que seja da vagina, talvez. E as ossadas ficam descendo conforme a representação avança, até que uma delas, uma das atrizes, leva/pega aquilo como um troféu. Então, o espetáculo está circunscrito num universo de pensamento que se aproxima de uma questão de gênero – o feminino. Entretanto, as questões não se apresentam como demanda, ou seja, elas não são praticadas a ponto do discurso, por exemplo, de um teatro feminista. Não tem isso, não tem bandeira alguma apresentada e por isso é tão desconcertante também (porque a demanda, a bandeira, de qualquer forma é algo instituído, é uma fala já social, já visível, com a qual poderíamos nos relacionar com mais segurança). Então a provocação cênica é desta ordem, do risco potente que está suspenso nessa linha tênue entre a representação e o fato em off, em ordem subliminar. É nela que podemos ir fazendo as leituras.
Quando você (Rosyane Trotta) nos disse da moça que riu e riu e riu (durante a apresentação), fiquei pensando: onde é que as coisas batem? Porque essas coisa desavisada e fora da ordem, em algum lugar bateu (a ponto de causar uma quase convulsão física, pelo riso). Então, sem dúvida é interessante porque aqui nós temos um teatro que tenta se des-prender o tempo todo da forma, ou ao menos das formas instituídas. No sentido espacial inclusive: a roda vai se formando (como em uma cena tradicional de rua), de repente a roda se desprende, abandona o eixo. Elas (atrizes) vão lá para a frente e temos que ir atrás. E elas não estão nem aí, se a roda está em torno ou não está. Desconcertante também nesse sentido, de algo que nos leva para esses lugares que são os da possibilidade, da necessidade da comunicação, daquilo estar sendo representado com a plateia, mas, não necessariamente. Não há urgência quanto a isso, e essa operação é uma coisa à beira da ironia – porque vivemos tão desesperados atrás do público, dos públicos, naquela ansiedade de conquistar, capturar, formar, juntar como se se tratasse de uma questão de vida ou morte para o teatro. Então, não deixa de ser outra ordem de desconcerto, irônico, que elas causam também. E dá o que pensar.” (Kil Abreu em abril de 2011 com sua revisão em setembro de 2011).
Assista aqui parte da: Conferência de Kil Abreu e Rosyane Trotta no 3º Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre